Caso 1: Cara de Brasil

Professor: Beatriz Souza Duarte e Bruna Lúcia Frigo
Quem é o professor: Beatriz é formada em pedagogia, com pós-graduação em artes cênicas, leciona há cinco anos na rede municipal; Bruna é formada em pedagogia e artes visuais e leciona há três anos na rede municipal. O projeto foi destaque estadual de São Paulo, na etapa pré-escola, na 10ª edição do Prêmio Professores do Brasil.

Escola: EMEI Parque das Nações I
Municipio: São Paulo
UF: São Paulo
Etapa de ensino: Educação Infantil – pré-escola

Ano: 2016
Área de conhecimento:
Componente curricular:

Cara de Brasil

Professoras de São Paulo aproveitam tema do projeto pedagógico da escola para desconstruir falas preconceituosas e inserir crianças no universo das relações étnico-raciais

Na esteira da proposta de valorizar temas socialmente relevantes, fio condutor do projeto políticopedagógico (PPP) da escola municipal que lecionam em São Paulo, as professoras Beatriz Duarte, de 31 anos, e Bruna Frigo, de 30 anos, resolveram trabalhar o tema do PPP de 2016, as relações étnico-raciais, com a turma que dividiam na educação infantil naquele ano, uma oportunidade que enxergaram para quebrar estereótipos e desconstruir falas preconceituosas.

O projeto “Brasil, cara de quê?” passou então a ser moldado a partir da realidade local dos cerca de 30 alunos, todos entre 4 anos e 5 anos de idade e em sua maioria filhos de famílias de migrantes recém-chegados ao Parque das Nações, loteamento situado em uma das franjas em que a cidade mais cresce, no distrito do Jaraguá, extremo norte da capital paulista.

Na primeira reunião, as professoras incentivaram os pais a fazerem relatos livres de suas memórias de infância e das interações sociais que faziam parte do ambiente doméstico, manifestações que ajudaram a integrar as famílias à proposta pedagógica e também deram consistência e ideias para o projeto que se iniciava. As famílias se envolveriam diversas vezes nas atividades relacionadas ao projeto ao longo do ano, inclusive participando de oficinas.

“A escola é o primeiro espaço social que as crianças estavam frequentando e, como a maioria das famílias não era daqui, partimos da vida deles. Os pais mandaram fotos e pegamos as falas deles como deixas para onde a gente ia caminhar”, diz Beatriz Duarte.

O trabalho foi norteado por três matrizes: a africana, a indígena e a europeia, estudadas gradativamente. Para cada uma delas, as professoras criaram uma caixa decorada com os motivos da cultura a ser visitada, da qual saíam os objetos com os quais as professoras explicavam a realidade e ajudavam as crianças a entender a sociedade em que viviam, por meio da narração de histórias. “A gente contava a história mesmo, falando a verdade sobre temas como escravidão e tráfico de escravos”, exemplifica Beatriz.

O projeto envolveu as professoras em um trabalho de pesquisa apurado sobre as culturas que estavam sendo estudadas, em especial a africana e a indígena. Os estudantes brincaram dançando a capoeira, o maculelê e o carimbó, conheceram uma árvore baobá e produziram em oficinas objetos representativos como a Abayomi, boneca feita nos navios negreiros com tiras da saia das mães, o pandeiro, o tambor, o caxixi e o pau de chuva, entre outros.

“Levávamos a temática sempre de maneira lúdica e trabalhando com a formação da identidade deles, com a percepção deles. No toque, no cabelo… Sempre com um viés de diversidade, não um viés exótico”, afirma a professora Bruna.

Como as atividades estavam interligadas ao projeto pedagógico da escola, as relações étnico-raciais foram abordadas em atividades de formação continuada e houve suporte para interações muito além da sala de aula, como uma saída pedagógica ao Masp (Museu de Arte de São Paulo) para visita à exposição “Histórias da Infância”. As crianças também foram apresentadas a produções de artistas negros brasileiros como Surama Caggiano, que compareceu à mostra cultural realizada no colégio.

Nas atividades com a cultura indígena, os livros do escritor Daniel Munduruku foram uma referência importante e a existência de uma aldeia a poucos quilômetros da escola proporcionou um encontro com os indígenas guarani vizinhos: um grupo de crianças indígenas, acompanhada de um adulto indígena, visitou a escola e interagiu com os estudantes.

“Quando vieram as crianças da aldeia indígena, nossos alunos estavam curiosos. Um perguntou como eles brincavam. Outro perguntou se pescavam. Eles já tinham ideia de alguns dos costumes indígenas”, conta a professora Bruna Frigo.

Quando um estudante questionou por que o grupo indígena estava vestido, foi a deixa para falar de aculturação, dos índios da cidade, e ir além. “A criança chegava para os pais em casa e perguntava ‘sabia que o índio usa roupa?’ São desconstruções que vão acontecendo e até emocionam a gente”, relata Bruna.

As vivências e as brincadeiras permitiram, ao longo do ano, o trabalho com linguagens, ciências e matemática, como por exemplo na contagem das folhas de um baobá.

As próprias professoras relatam que aprenderam muito com a experiência e fizeram descobertas importantes acerca das relações étnico-raciais, como reflexões sobre falas ou o uso de palavras ou expressões de origem preconceituosa. “Não existe raça negra, mas sim raça humana”, exemplifica Beatriz.

A história de uma aluna negra da turma poderia ser usada para resumir os resultados do projeto. “No início do trabalho, ela se desenhou loira e de olho claro”, lembra a professora Beatriz. “As crianças foram percebendo como são e valorizando essas diferenças. Os retratos finais deles foram mais próximos do que eles são.”

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