Caso 2: Educação aplicada à vida no sertão

Professor: José Hélio Pereira
Quem é o professor: Formado em biologia e pedagogia, leciona há 34 anos na rede municipal e há 17 anos na escola. Foi destaque estadual da Paraíba, na etapa dos anos iniciais do ensino fundamental (4º e 5º anos), na 10ª edição do Prêmio Professores do Brasil.

Escola: EMEF Cassimira Leite Montenegro
Municipio: Desterro
UF: Paraíba
Etapa de ensino: Ensino Fundamental – anos iniciais

Ano: 2017
Área de conhecimento: Ciências da Natureza
Componente curricular: Ciências

Educação Aplicada à Vida no Sertão

Ciência da moringa’ praticada por professor mostra como limpa água barrenta e desperta interesse de estudantes e pais em meio à seca no interior da Paraíba

Os cerca de 8.000 habitantes de Desterro, município do interior da Paraíba, são, por premissa euclidiana, fortes sertanejos, calejados pelo clima semiárido brasileiro e os longos períodos de estiagem que o caracterizam.

Após uma das mais prolongadas secas recentes, o açude local secou e as famílias passaram a ser abastecidos por uma água turva que jorrava dos caminhões-pipa contratados pela prefeitura. Formado em biologia e pedagogia, o professor José Hélio Pereira, de 51 anos, pôs em prática as frequentes queixas de pais e estudantes sobre a cor da água que consumiam para pôr em prática na escola municipal em que leciona uma abordagem criativa para aguçar a curiosidade intelectual dos alunos e conectar os estudos da sala de aula à flagrante realidade em que todos estavam inseridos.

O projeto “Uma solução alternativa para o tratamento simplificado da água”, aplicado na escola Cassimira Leite Montenegro, provocou os estudantes do 4º ano do fundamental a refletir, inicialmente, sobre o tratamento convencional da água para consumo humano. Incentivou a pesquisa e a busca por fontes que pudessem iluminar o assunto para então desenvolver uma atividade prática.

O processo de investigação resultou em um, digamos, “achado científico”: os estudantes souberam que as sementes da planta popularmente conhecida como “acácia branca” ou “moringa”, entre outros nomes, tinham o poder de filtrar as impurezas (barro) da água, em um processo peculiar de decantação. Estava dado o foco de que o professor precisava para desdobrar o tema e trabalhá-lo de maneira transversal na turma de 37 alunos.

Ao longo do ano letivo de 2017, o projeto em torno do potencial purificador da Moringa oleífera, nome científico da “acácia branca”, incentivou o trabalho em equipe e a interação dos estudantes e ajudou o professor a trabalhar leitura e escrita dos alunos à medida que aumentou o interesse deles pelos estudos.

“Quando eles encontraram essa semente, eu já conhecia o vegetal, mas os deixei buscar as respostas. Partimos da situação problema, dividimos a pesquisa em etapas e nesse processo eles foram aprendendo coisas novas e se envolvendo cada vez mais com o saber”, afirma José Hélio. Durante o projeto, os alunos foram demonstrando mais interesse nos estudos e maior participação. Além de compartilharem os computadores e celulares para a realização da pesquisa, eles trocaram muitas informações sobre suas descobertas. “Houve muita interação entre eles”, diz.

O professor correu atrás de sementes de Moringa oleífera em um sítio na zona rural de Desterro e tomou o cuidado de fazer as primeiras experiências de decantação da água turva em sua própria casa, antes de fazê-las na escola. Outros professores também participaram das experiências, o que para José Hélio enriqueceu o processo. “Com casca, duas sementes da planta purificam um litro de água em 30 minutos. Sem casca, é mais rápido e trituradas, mais rápido ainda. Os alunos experimentaram tudo isso”, lembra o professor.

Uma semente de “moringa” é do tamanho de um caroço de feijão e libera um tipo de óleo responsável pelo processo de purificação da água turva. Após um tempo de ação, as impurezas vão para o fundo do recipiente e a água deixa de ser barrenta. “A água não fica com gosto ruim. É água normal”, diz. “O processo não serve para água poluída. É só para água barrenta.”

Com o envolvimento, os estudantes passaram a ter curiosidade de conhecer a árvore da Moringa oleífera e, diante dessa demanda, José Helio conseguiu a liberação para levar as crianças para uma aula de campo em uma escola estadual vizinha, que abriga uma planta desta espécie em seu terreno. “Foi muito interessante. Todos quiseram tirar foto com o vegetal… Eles puderam sentir o cheiro das folhas, que é muito forte e um pouco desagradável”, lembra.

Os estudantes também tiveram a oportunidade de plantar mudas da árvore para levar para casa e a evolução do projeto desembocou, naturalmente, no engajamento das famílias.

“Os pais quiseram levar as sementes para casa. Alguns já a conheciam, mas não tinham tanto interesse assim nelas porque tinham medo de a semente ter toxina e fazer mal para a saúde”, explica o professor.

No dia a dia letivo, José Hélio usou as novas palavras que os estudantes aprendiam no projeto de ciências, como “semente” e “moringa”, para trabalhar a escrita e a leitura deles. “Aqueles que tinham dificuldades de leitura se juntavam com quem tinha mais facilidade e eles se ajudavam”, diz.

Ao final do ano, passada a estiagem e já com água no açude, boa parte da turma passou a pedir mais projetos de ciências como o desenvolvido por José Helio. Os estudantes queriam prosseguir com atividades parecidas no 5º ano, utilizando as estratégias de investigação aprendidas por eles com outros temas relevantes para a comunidade.

“Recomendei a outros professores este tipo de experiência. Senti que os estudantes passaram a me respeitar mais e o respeito entre eles também aumentou”, relata o professor. “A gente se sente mais valorizado pelos alunos, pelos pais e também pela direção (com o projeto). Isso deixa a gente com mais prazer de trabalhar na escola.”

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