Caso 16: Redescoberta indígena

Professor: Flávia Roberta Alves Costa
Quem é o professor: Licenciatura em Artes Visuais, leciona na rede municipal e na escola há 7 anos. Foi a vencedora de Pernambuco, na etapa dos anos finais do ensino fundamental (6º ao 9º ano), na 10ª edição do Prêmio Professores do Brasil, e também venceu o prêmio Educador Nota Dez, realizado pela Fundação Victor Civita em parceria com a Fundação Roberto Marinho.

Escola: Escola Municipal Divino Espírito Santo
Municipio: Recife
UF: Pernambuco
Etapa de ensino: Ensino Fundamental – Anos Finais

Ano: 2017
Área de conhecimento: Linguagens
Componente curricular: Arte

Redescoberta indígena

Trabalho de professora detalha expressões artísticas dos índios do sertão de Pernambuco, quebra estereótipos dos estudantes e amplia representatividade na comunidade escolar

Desde que começou a lecionar na rede municipal do Recife, em 2011, a professora de artes Flávia Roberta Alves Costa, de 35 anos, sentia necessidade de valorizar uma lacuna que considerava mal explicada no currículo: o ensino de arte indígena.

Após desenvolver, a partir de 2014, uma pesquisa na qual mapeou 4 das 13 etnias indígenas existentes no território pernambucano, Flávia considerou que tinha em mãos repertório suficiente para levar para o centro de suas aulas as manifestações artísticas e culturais típicas dos “índios de Pernambuco”, desconstruindo estereótipos como aquele do “andar pelado e viver no meio da selva amazônica”. A prática foi além e resultou em um despertar da identidade indígena na comunidade escolar.

Antes de apresentar aos estudantes detalhes do inventário artístico que finalizou em 2016 das etnias Xucuru, Kapinawá, Fulni-ô e Pankararu, a professora iniciou o projeto “Inspirações indígenas”, realizado em um bimestre do primeiro semestre de 2017, avaliando o conhecimento prévio das quatro turmas de 6º ano para as quais lecionava e perguntando se alguém tinha parente indígena ou se considerava indígena, entre outras questões. As respostas serviram de base para a sequência didática construída.

Estava assim iniciado o debate de como é ser indígena na contemporaneidade, complementado com a visita à escola de integrantes de uma comunidade indígena do Estado. Chegaram ao colégio quatro índios fulni-ôs, todos jovens e pintados para a ocasião. O grupo fez uma apresentação e respondeu a questões dos estudantes. “Pedi que fizessem perguntas e foi interessantíssimo. Perguntaram se na aldeia tinha escola, por exemplo. Eles já começavam a deixar de lado aquela visão exótica”, afirma Flávia.

O encontro fez a escola se engajar em uma campanha para arrecadar alimentos à aldeia fulni-ô dos visitantes, que tinham passado por um forte período de seca e perdido a colheita, e criou desdobramentos que a própria professora não esperava. Encantados com a pintura corporal dos indígenas, os estudantes queriam reproduzir aquilo em seus próprios corpos. “Tinha elaborado uma sequência didática e o momento de pintura corporal era no final. Mas eles fizeram tantas perguntas que resolvi adiantar esse trabalho”, lembra Flávia.

O interesse dos estudantes criou um desafio para a professora: explicar os conceitos de produções artísticas originais, criações inspiradas nelas e cópias, plágios etc. No caso específico, era importante esclarecer que arte indígena é aquela feita apenas pelos índios. “Foi muito confuso trabalhar essa temática. Decidi trabalhar pintura corporal com a body art. Eles levaram a sério e pintaram o corpo escolhendo palavras como ‘força’, ‘fé’, ‘luta’, ‘cultura’, ‘resistência’. Fizemos registro fotográfico disso”, diz Flávia.

Pesquisadora do tema, a professora também levou fotos do inventário realizado com as expressões artísticas de quatro das etnias presentes em Pernambuco e exercitou com os alunos desenhos por observações, orientando-os a ficarem atentos aos detalhes e funcionalidades das peças. “Para produzir, o índio usa o material de seu entorno. Discuti com eles a tipicidade do índio sertanejo, que vai usar a folha da carnaúba para o chapéu de palha porque é o que está disponível”, exemplifica.

Durante o trabalho, uma das principais angústias de Flávia foi com a falta de material sobre indígenas nordestinos para realizar a didática. Muito do trabalho da professora foi no esforço de construir uma ponte entre o conhecimento que já havia sido produzido na academia e a educação básica, usando como principal referência a pesquisa que ela mesma havia realizado nos anos anteriores.

Essa experiência com a temática credenciou Flávia para dar formação a professores da rede municipal do Recife, explicando entre outras coisas particularidades desses indígenas da região, “não-amazônicos”. Na escola, o aluno indígena do 9º ano que serviu de mote para introduzir a temática na aula da professora e ajudou a desconstruir o estereótipo para os estudantes era “branco de olhos verdes”, por exemplo.

Em relação às produções indígenas, o debate em torno das peculiaridades dessas expressões artísticas inspirou uma oficina de tramas, com sobras de papéis separadas para reciclagem. Ao final do projeto, quando os alunos foram a campo conhecer o Museu do Homem do Nordeste, o conhecimento acerca da arte indígena foi atestado por uma estudante que reconheceu o som ambiente como uma música fulni-ô.

A maior demonstração que o projeto havia surtido resultado, de acordo com a professora, foi presenciar manifestações de afirmação da identidade indígena dentro da escola, como a de uma funcionária da limpeza ao revelar que a mãe era indígena. Luciélio, o aluno indígena do 9º ano, também fez o mesmo. “Ao ver os trabalhos do projeto, ele veio até mim e perguntou se eu queria que ele levasse para a escola as roupas que usava nas festas (da aldeia)”, diz Flávia.

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