O impacto do espírito olímpico em um país sedentário


Às vésperas de um dos maiores eventos da história mundial, os Jogos Olímpicos, o espírito esportivo é reacendido em todo o mundo. No Brasil, atletas de diversas modalidades são (re)lembrados e recebem a merecida torcida de toda a nação.

A cada quatro anos, as Olimpíadas nos oferecem uma feliz overdose esportiva, mas também oportunidades importantes de reflexão não somente em relação à valorização dos atletas de alto rendimento, mas também sobre o quanto ainda precisamos evoluir para que o acesso à atividade física e ao Esporte seja democratizado no Brasil.

Em nosso país, a realidade é marcada por desigualdades sociais e políticas públicas frágeis que limitam esse direito social que, muitas vezes, não é visto como fundamental. Ao inviabilizar que grande parte da população exerça plenamente seu direito de praticar esportes e atividade física ao longo de sua vida, negligenciamos uma ferramenta poderosa de qualidade de vida, que promove desenvolvimentos físico, motor e psicológico, e por consequência, mudanças sociais positivas.

Os efeitos de uma nação sedentária são alarmantes e estão enraizados desde a experiência escolar de crianças e jovens. É fundamental lembrar que, para muitos deles, a escola é o único lugar que pode oferecer oportunidades estruturadas de atividades físicas. No entanto, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional da Educação Física Escolar, realizada pelo Instituto Península (dezembro de 2023), menos da metade das escolas do ensino fundamental ao médio possuem instalações esportivas adequadas. Além disso, outros dois números chocam: 8 em cada 10 professores brasileiros de Educação Física já tiveram que usar seu próprio salário para comprar materiais para suas aulas e cerca de 95% consideram que a estrutura escolar para as aulas é insuficiente. Somado a isso, pouco mais da metade das escolas oferecem atividades esportivas no contraturno escolar.

Com um acesso ao Esporte limitado desde a infância, o impacto na saúde e no bem-estar social não poderia ser outro: 70% da população brasileira é insuficientemente ativa, com níveis de atividade física muito abaixo do recomendado para a manutenção da saúde, número que acomete especialmente mulheres, pessoas com baixa renda e idosos (IBGE, Pesquisa Nacional de Saúde, 2019). A consequência é clara: os altos índices de doenças crônicas não transmissíveis são responsáveis por 75% das mortes no país e o tratamento dessas enfermidades custa cerca de US$ 3,8 bilhões por ano ao governo (OMS, 2022), recursos que poderiam ser muito melhor empregados na promoção de um estilo de vida saudável.

Mas como incentivar toda uma população a praticar atividades físicas e esportes? A resposta está no investimento em políticas públicas, que deve ser encarado como potencializador de transformações em diversos setores do país, uma vez que os benefícios da atividade física são multissetoriais, impactando positivamente outras esferas, como a Educação.

No entanto, este cenário ainda é ilusório. Nos últimos anos, o Esporte tem recebido, no máximo, 0,04% do orçamento público federal (Damiani, 2021), mas, na prática, esse montante é ainda menor. Constantemente é preciso lidar com contingenciamentos, enquanto nos estados e municípios o potencial financeiro para iniciativas diretas à população é restrito, impactando e limitando diretamente a oferta de políticas de incentivo às atividades esportivas.

Para reverter esse cenário é preciso pensarmos, como país, em uma Agenda Sistêmica que estimule o debate e gere mobilização, diálogo, articulação e compromisso entre diversos segmentos para agir, coordenadamente, em busca de políticas públicas que garantam o direito de acesso ao esporte e à atividade física a todos os brasileiros e brasileiras.

Ainda há um longo caminho a ser trilhado e, para que essa agenda avance, é preciso sair somente da torcida e partir para ações práticas e efetivas rumo a um pacto nacional por uma sociedade mais ativa, saudável e, consequentemente, mais próspera.

Ana Moser é Presidente-Executiva da Atletas pelo Brasil, Daniela Kimi é Diretora de Pesquisa e Políticas Públicas em Esporte no Instituto Península e Raí é Fundador da Fundação Gol de Letra

Acesse o artigo publicado pela Folha de São Paulo clicando aqui.

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